quinta-feira, 26 de abril de 2018

O Ponto Vernal do Brasil

por Eduardo Guerini
“A única coisa em que eu creio é que devemos ter a capacidade suficiente para destruir opiniões contrárias baseadas em argumentos ou, se não, deixar que as opiniões se expressem. Opinião que temos de destruir na porrada é opinião que leva vantagem sobre nós. Não é possível destruir as opiniões na porrada e é isso precisamente o que mata todo o desenvolvimento livre da inteligência...” (Che Guevara. Pequeno Livro de Pensamentos de Che,1999, p. 19)

   A política é tempo e movimento, tal como as estações que sucedem com o passar dos anos. Comumente se diz que a transição de posições dos astros e planetas indicam mudanças, em tal momento, o tempo muda, o clima se altera, os humanos, dada suas capacidades de adaptabilidade seguem a vida sobrevivendo as intempéries naturais, condicionados a resiliência milenar. Porém, nossas construções sócio-políticas são frequentemente assoladas por crises, muitas delas, indecifráveis ao sujeito comum, mas ele sobrevive magistralmente, na alegria e na tristeza, na pobreza e na riqueza.

   No Brasil, a crise político-institucional continua produzindo incertezas que forçosamente serão superadas, com ou sem intempéries. O tempo do governo de Michel Temer continua sob nebulosas turbulências, fruto de um arranjo político fisiológico-corporativo-patrimonial. A paralisia decisória somada à debilidade do presidencialismo de coalizão, resultado do afastamento de lideranças políticas e seus partidos dos movimentos sociais, provocou uma cisão entre representantes e representados, governantes e governados. Os poderes incumbentes de nossa republiqueta não mantém a coesão molecular, todo movimento gera uma reação adversa que eleva a sinergia opositora causando uma onda de incertezas políticas, sociais e econômicas.

   O tempo de um governo é definido por mandatos eletivos, alternância de coalizões políticas, e, principalmente, capacidade de montar uma agenda que se transforma em marca de seus líderes políticos. Inegavelmente o mandato, pós-impeachment, de Michel Temer (MDB) findou, pela inépcia e carência de conteúdo ético-político, ser rejeitado pela maioria da população (70%), com aprovação na margem de erro estatístico, não é uma tarefa fácil.

   Os agentes de mercado reposicionam suas expectativas para o crescimento lento e gradual da economia (2,75% segundo o Relatório Focus, 2,3% segundo FMI). O festejado otimismo com a aprovação da contrarreforma trabalhista naufragou com a evidência do governo não levar a cabo a contrarreforma previdenciária. O instinto de sobrevivência dos parlamentares na curva das eleições de 2018 emperrou a agenda, ainda que a massiva campanha da mídia monopólica tentasse empurrar “goela abaixo” da sociedade brasileira, uma necessidade imperiosa pelas forças das circunstâncias. A energia de ativação reativa e limitada dos movimentos sociais, especialmente, o sindicalismo brasileiro, se transformou em barreira energética que poderia incendiar as pretensões de muitos candidatos e partidos, incinerando-os.

   Os resultados de emprego formal de acordo com o CAGED, divulgados recentemente, demonstraram uma vez mais, que seguimos para uma sociedade de desempregados estruturais submetidos às ocupações informais. A flutuação de empregos formais com saldo irrisório de 56.151 (0,15%), em março de 2018, e, 223.637 (0,59%) nos últimos 12 meses, é comemoração de Pirro resultado da política econômica ortodoxa-monetarista em prol dos agentes de mercado.

   Seguimos, tal como o movimento da elíptica que cruza o equador celeste, para nosso ponto vernal, num outono político, projetando um rigoroso inverno econômico-social. Falta-nos energia de ativação, uma química que rompe a barreira do tempo e seus movimentos, produzindo uma aurora boreal utópica!!

quinta-feira, 19 de abril de 2018

DOIS MINUTOS

Trânsito em julgado é o momento em que não há mais o que inventar em matéria de trapaça legal para manter os malfeitores fora do xadrez

por J.R. Guzzo
J.R.Guzzo
   As leis são feitas, tanto quanto se saiba, para melhorar a vida das pessoas. Que sentido poderia ter uma lei que piora a existência do cidadão? Nenhum, e por isso mesmo é francamente um espanto a quantidade de leis em vigor neste país que não melhoram coisa nenhuma e, ao mesmo tempo, conseguem piorar tudo. Um dos mais notáveis exemplos práticos dessa espécie de tara, tão presente no sistema legal e jurídico do Brasil, é o apaixonante debate atual sobre a “segunda instância” e o “trânsito em julgado”. Quase ninguém, mesmo gente que foi à escola, conseguiria dizer até outro dia que diabo quer dizer isso; dá para entender as palavras “segunda” e “trânsito”, mas daí pouca gente passa. No entanto, tanto uma como outra coisa são o centro da questão mais decisiva da vida política do Brasil de hoje. Trata-se, muito simplesmente, de saber quantas vezes o sujeito precisa ser condenado na Justiça para pagar pelo crime que cometeu. Duas vezes parece de ótimo tamanho, na cabeça de qualquer pessoa sensata e no entendimento de todos os países livres, civilizados e bem sucedidos do mundo. Se houve um erro na primeira sentença, dada por um juiz só, um segundo julgamento, feito por um conjunto de magistrados, pode corrigir a injustiça; se não corrigir é porque não houve nada de errado. Uma criança de dez anos é capaz de entender isso. Mas as nossas altíssimas autoridades, aí, conseguiram transformar um clássico “não-problema” num tumulto que tem infernizado como poucos a estabilidade política do país ─ e enchido a paciência de muitos, ou quase todos os habitantes do território nacional.
   Os artigos, parágrafos, incisos, alíneas e sabe lá Deus quanto entulho legal os doutores, políticos e magnatas deste país invocaram para colocar em discussão se a Terra é redonda ou é plana, mostram bem a extraordinária dificuldade, para os que mandam no Brasil, de aceitar o princípio pelo qual uma lei só fica de pé se fizer nexo ─ e só faz nexo se vem para tornar mais segura, mais cômoda ou mais compreensível a vida do cidadão comum. Não faz o menor nexo sustentar que o bem estar das pessoas melhora, ou que elas ficam mais protegidas, se for proibido colocar um criminoso na cadeia quando ele é condenado duas vezes em seguida; é incompreensível que a punição para um crime só deva acontecer quando o autor perder na “última instância”, que ninguém sabe direito qual é. Eis aí o raio do “trânsito em julgado” ─ o momento em que não há mais o que inventar em matéria de trapaça legal para manter o malfeitor fora do xadrez. É algo tão raro quanto a passagem dos cometas. O deputado Paulo Maluf começou o seu corpo-a-corpo com a Justiça penal em 1970; só foi para a penitenciária 47 anos depois, em dezembro do ano passado, já aos 86 anos de idade. O ex-governador de Minas Gerais, Renato Azeredo, está sendo processado há 11 anos e até agora não viu o lado de dentro de uma cela.
   Vamos falar sério dois minutos: alguém é capaz de achar que os direitos civis do cidadão brasileiro estão sendo protegidos por um negócio desses? Quem ganha com isso a não ser criminosos tamanho GGGG-plus, que têm poder e dinheiro para pagar sua defesa durante anos a fio, e os escritórios de advocacia que sonham com processos que lhes rendem honorários pelo resto da vida? Não há absolutamente nenhum interesse coletivo beneficiado por esse tipo de entendimento da lei. O que acontece é justamente o contrário: o veto à prisão “na segunda instância” é uma ameaça ao brasileiro que cumpre a lei. Não é um “direito”, como dizem advogados e demais sábios da ciência jurídica ─ o direito, respeitado em todas as democracias, à “presunção de inocência”. Inocência como, se o indivíduo já foi condenado duas vezes? Teve todo o direito de se defender, sobretudo se conta com milhões. O acusador teve de apresentar provas, e o juiz teve de considerar que as provas eram baseadas em fatos. O que há na vida real, isso sim, é uma violação do direito que as pessoas têm de contar com punição para os criminosos que as agrediram ─ por exemplo, roubando o dinheiro que pagam em impostos, ou o patrimônio que possuem legalmente nas empresas estatais.
   Os “garantistas”, que defendem em latim essas aberrações, garantem apenas a impunidade. Utilizam dúvidas que existem na Constituição e que podem ser mal interpretadas ─ só foram colocadas ali, aliás, com o exato propósito de serem mal interpretadas. Constroem, esses heróis da liberdade, um monumento às leis que foram escritas para fazer mal ao Brasil e aos brasileiros. 

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Depois do Turbilhão...

por Eduardo Guerini
 
“Assim, todos, juntos, continuavam a sua vida cotidiana, cada um a seu modo, com ou sem reflexão; tudo parecia seguir o seu rumo habitual, como em situações extremas, nas quais tudo está em jogo, e a vida continua como se nada acontecesse.” Goethe, As Afinidades Eletivas (2003).
  
   A prisão do ex-presidente Lula aconteceu mirando os escândalos sucessivos de corrupção. Entre discursos e narrativas no retorno às origens sindicais, a esperança da retomada de grandes manifestações em prol da reversão da execução da pena, não aconteceu. As imagens e discursos reacenderam a indignação do ex-líder metalúrgico, com um ramerrão de feitos e realizações que foram consumidos na maior recessão econômica associado ao calvário de lideranças do petismo que se locupletaram no “banquete farto do poder”. O lulo-petismo vendeu uma esperança, um sonho, os brasileiros colheram um pesadelo, as alianças e conciliação com as elites retrógradas vicejaram o surgimento de uma nova onda liberal-conservadora.

   A polarização e estreitamento da capacidade de alianças imputaram ao petismo um declínio jamais visto na história política brasileira. A crise institucional se agravou dia após dia, mês após mês, desde o levante das jornadas de junho de 2013, momento em que os movimentos sociais, especialmente a juventude, colocaram em xeque a longa marcha de afastamento dos governantes e representantes políticos, alheios aos anseios populares. Dilma Rousseff e sua equipe ministerial, os líderes dos partidos da coalizão, as lideranças do Congresso Nacional e parte da sociedade apenas assistiram catatônicos o movimento. Em contrapartida, Lula e o PT, trataram de manter uma narrativa hegemônica que abandonou a crítica e autocrítica. O importante era negar a realidade e as narrativas da elite conservadora.

   O acirramento da polarização política reavivou as forças conservadoras com uma bandeira que feriu de morte o segundo mandato de Dilma Roussef, resultando no impeachment em 2016. A narrativa do golpe, o combate à corrupção que envolveu os grandes partidos políticos, e, fundamentalmente, a bandeira da “ética na política”, se transformou em flechas certeiras contra a maior liderança do Partido dos Trabalhadores, o ex-presidente Lula. A exaltação do sucesso do período do lulismo-dilmismo não encontrou eco na sociedade, nos próprios movimentos sociais. O período foi de estupefação em cada nova fase da Operação Lava Jato.

   A dissociação entre os interesses partidários e da classe política, a nova aliança conservadora, alicerçada na ortodoxia monetarista, no pragmatismo e fisiologismo, resultaram na descrença nacional contra as instituições republicanas. Em cada denúncia, prisão ou soltura de empresários, parlamentares e lideranças dos maiores partidos políticos brasileiros, a descrença, desesperança, desalento, implicavam no aprofundamento da crise política, institucional e econômica. O Brasil sob o governo de interesseiros e interessados em constituir projetos duradouros de poder, se transformou em nação sem futuro, sem horizonte.

   Na conjuntura atual, a sociedade brasileira se encontra na antessala do pleito eleitoral de 2018, alicerçada na estrutura do capitalismo periférico brasileiro com sua matriz neoliberal cabocla, despossuída de um pacto social mínimo e civilizatório, atolada no desemprego, na informalidade, na desigualdade econômica e social, consubstanciando um turbilhão de sensações pessimistas e intolerantes, somos um país na escuridão. Neste momento, na falta de norte político, as lideranças deveriam seguir o velho enredo que Goethe recitou no seu leito de morte: “Mais Luz”!!

domingo, 8 de abril de 2018

O estranho olhar do meu gato


por Emanuel Medeiros Vieira

Sim: aquele gato preto tinha um olhar estranho.
Olhava a gente com perspicácia, lia-nos lá dentro – extrema fundura.
Sabia de tudo.
Mas esse olhar era também de piedade.
TENDES MISERICÓRDIA DE MIM E DO MUNDO INTEIRO!

Na penúltima vez em que fui internado, carregaram-me, mas ainda pude ver da porta o seu olhar – agora de uma compaixão enorme.
Estava à beira da morte, mas safei-me.
Era um safar-se constante.
Acariciei-o, alimentei-o – amava-o.
Não tinha nome o bichano.
E ele percebia tudo antes de nós.
Seu ronronar era suave, até melancólico – revoltado?
Os donos e seus gatos se parecem, já disseram.
TENDES MISERICÓRDIA DE MIM E DO MUNDO INTEIRO!

No dia da minha morte, antes de fechar os olhos e deixar esse absurdo mundo, sei que vou vê-lo.
Seu olhar indicará um sorriso, uma compaixão, como se estivesse dizendo: “é hora de descansar”.
Pois então descansarei, meu amigo. Até logo! Somos rápidos nessa passagem, meu irmão.
(Brasília, março de 2018)

sábado, 7 de abril de 2018

Caindo em desgraça

para o Cangablog, Bob Fixer, Meredith, New Hampshire USA
     
  
"Ex-presidente Lula divide capa do THE WALL STREET JOURNAL desse sábado com a ex-presidente sulcoreana, Park Geunhye, condenada a 24 anos de prisão. Em comum, condenados por corrupção.

 


sexta-feira, 6 de abril de 2018

Opinião: A hora final de Lula

por Yones Sanchéz
Cai parte da ilusão que o próprio ex-presidente brasileiro alimentou: a de que um líder vindo de baixo, que entende os pobres, nunca vai roubá-los. Sua queda é um golpe para o populismo de esquerda, opina Yoani Sánchez.

   Há alguns anos, o socialismo do século 21, este arremedo populista que se disfarçou de forma hábil com um discurso de justiça social e oportunidades para todos, parecia encontrar-se em pleno vigor na América Latina. A região estava salpicada de líderes que pareciam ser algo mais que a ideologia que abraçavam: adoravam se ouvir falar em público, sofriam de uma crônica intolerância à oposição política e acreditavam que encarnavam o sentir de toda uma nação.
   Nessa heterogênea explosão de mandatários carismáticos e autoritários estavam desde o falastrão Hugo Chávez, passando pelo arrogante Rafael Correa, o cocaleiro Evo Morales até o popular Luiz Inácio Lula da Silva. Este último era acompanhado da descrição de ter surgido dos estratos mais humildes da sociedade brasileira e, uma vez no Palácio do Planalto, ter impulsionado mudanças para tirar mais de 30 milhões de pessoas da miséria. Com essas credenciais, era difícil não aplaudi-lo, e muitas organizações internacionais se renderam aos pés do operário metalúrgico que virou presidente.


    Mas, sob a imagem de homem austero e inimigo implacável da corrupção política, Lula foi criando suas próprias redes de favores e apoios, às quais respondia com privilégios e prebendas. O Partido dos Trabalhadores se tornou, dia após dia, uma força mais poderosa, que acossava seus adversários políticos, apoiava regimes inapresentáveis como o de Cuba e não parava de receber acusações por desvios de fundos e má gestão. Mas Lula manteve uma impressionante popularidade dentro do Brasil e um apoio, quase unânime, além de suas fronteiras.
    Agora o velho sindicalista parece estar chegando ao fim do caminho. No ano passado, foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro e, neste mês de abril, o Supremo Tribunal rechaçou seu último recurso legal para frear sua prisão. Ainda que o experiente populista continue a arrastar multidões e lidere as pesquisas de intenção de voto para as eleições de outubro, seu último giro pelo Brasil terminou com ovos e gritos lançados contra ele.
    Encurralado, o ex-presidente optou por seguir adiante. Redobrou os discursos para as classes populares e apresentou todo o processo judicial no qual está imerso como uma tentativa de calá-lo politicamente e como uma vingança das elites e de antigos adversários ideológicos. Outros, porém, o acusam de se apresentar como candidato para eludir a Justiça. Apesar dessa arremetida a partir dos palanques e dos meios de difusão, não conseguiu impedir que o mito no qual se tornou sofresse grandes rachaduras.
    Com a condenação de Lula, cai também parte da ilusão que ele mesmo alimentou: a de que um líder vindo de baixo, que entende os pobres, nunca vai roubá-los. Sua queda em desgraça também é um duro golpe para as forças populistas de esquerda da região, muitas delas salpicadas por escândalos de corrupção vinculados ao extenso esquema da gigante brasileira Odebrecht.
    O socialismo do século 21 não foi morto apenas por sua ineficácia para encontrar soluções para os graves problemas do continente, mas também por suas sujas gestões financeiras. Seus representantes mais célebres fomentaram redes de lealdade e subornos que terminaram por cobrar sua conta. O golpe de misericórdia não foi o "império" que eles tanto blasfemaram, tampouco a "burguesia", mas sua própria ambição.

A cubana Yoani Sánchez é jornalista e apresenta o programa "La voz de tus derechos" no canal de TV da DW em espanhol.
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A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo