quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Um vazio político na “terra brasilis”

Por Eduardo Guerini 
 
Charge satiriza disputa entre Hermes da Fonseca e Rui Barbosa
“É preciso conhecer o mal para poder combate-lo” (Breviário dos Políticos. Cardeal Mazarin, Século XVII)

   A crise de representatividade e legitimidade no quadro partidário brasileiro se agrava de maneira exponencial. Em cada nova fase da Operação Lava Jato emergem as entranhas do “presidencialismo de coalizão”, a estranha engenharia de um parlamentarismo acanhado com a conciliação de classes, que mantém no poder velhas raposas operando na política nacional, numa nação sem projeto e sem futuro.

   O reformismo progressista no período do lulopetismo se esfrangalhou no tropeço ético do Partido dos Trabalhadores associado a traição da aliança corrupta pemedebista, com gravitação de um plêiade de partidos sem lastro social e histórico de lutas. O autodenominado “centro democrático” busca desesperadamente alternativas para lançar um “político novo”, um “outsider” para dar continuidade na agenda de reformas conservadora-liberal com um lustro em torno da meritocracia, Estado Mínimo e desmantelamento das políticas sociais inclusivas, tal como preconizado na Reforma Trabalhista aprovada, e, Reforma Previdenciária que subiu no telhado da política brasileira.

   Neste enredo de degeneração ético-politica, se potencializou a maior “recessão econômica”, com travamento dos investimentos públicos e privados, elevação do desemprego estrutural (algo em torno de 12%), com aumento da informalidade na combalida economia brasileira, com índice de subutilização que atingiu 23,6% da força de trabalho, acima do registrado no ano de 2016 (22,2%), segundo dados da PNAD contínua do IBGE.

   Os últimos dados econômicos, com crescimento lento e gradual, sem ampliação do emprego e elevação da renda, ainda que, com nível inflacionário relativamente abaixo da meta anual de 4,5%, e, uma nova indicação de redução da Taxa SELIC para março de 2018, colocando no patamar de 6,5% ao ano, significando a menor taxa histórica desde 1996, não traduzem uma potencialidade dos candidatos do “centro democrático-liberal” – Henrique Meirelles, Rodrigo Maia, Geraldo Alckmin, Álvaro Dias e Michel Temer.

   A sociedade brasileira continua desconfiada em torno da agenda de reformas, suspensa pela intervenção federal no Rio de Janeiro, desalentada com o cardápio de candidatos e coalizões partidárias, traduzido na desesperança em relação ao futuro do país. Entre simulações e dissimulações, se alastra a precarização, empobrecimento, desigualdade e violência, em virtude de uma classe política que deseja manter privilégios às custas de trabalhador@s miseráveis.

   Na “terra brasilis”, no início do século XX, Hermes da Fonseca venceu a disputa contra Rui Barbosa, criando uma grande fratura política entre os civilistas (apoiadores de Rui Barbosa) e os hermistas (militares do jovem oficialato). O seu governo ficou marcado por sucessivas intervenções contra as oligarquias do Norte e Nordeste brasileiro, também conhecida como “Política de Salvações” contra a corrupção dos Estados, colocando militares nos governos locais em substituição aos caciques políticos regionais. Também ficou conhecido como “Dudu da Urucubaca” em virtude de ser um “sargentão sem compostura” e azarento, dado os acontecimentos que permearam sua gestão.

   Talvez, a recorrência política na história brasileira, traduza o espectro do nosso presidente impopular, como um “vampiro neoliberalista”, vaiado em prosa e verso nas arquibancadas da passarela do samba na Marquês de Sapucaí, cercado por ministros que sofrem de “traumatismo moral”, que recorrentemente levam o Brasil para a “pindaíba” do rebaixamento das agências de risco e abismo econômico-social.

   Assim, @s brasileir@s que se preparam para mais uma eleição presidencial não poderão choramingar seu infortúnio se não acordarem para necessidade de um projeto de salvação nacional. Nada adianta maldizer os políticos e sambar no jogo do atual quadro partidário, caso contrário, continuaremos lembrando a marchinha de Hermes da Fonseca: “Ai, philomena. Dudu tem uma casa. Que nada lhe custou. Porque nesse “presente”. Foi o povo quem marchou. Ai, philomena. Eu me arrependo. De não ter ido ao caju. E não ter vaiado. A saída do Dudu.”

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Ex-presidente da Câmara tem bens bloqueados

Bloqueados bens de empresários, servidores e ex-Presidente do Legislativo de Florianópolis. Licitação para locação de equipamentos de fotocópias realizada em 2011 foi dirigida para beneficiar empresa e superfaturada. Bloqueio de bens alcança mais de R$ 4 milhões.

 

Foi determinado, a pedido do Ministério Público de Santa Catrina (MPSC), o bloqueio de bens do ex-Presidente da Câmara de Vereadores de Florianópolis Jaime Tonello, de José Luiz Coelho e Sérgio Luiz de Souza, respectivamente ex-Diretor Financeiro e ex-Presidente da Comissão de Licitação do Legislativo municipal, e dos proprietários da empresa Escrimate, Robson Cardoso e Cledson Cardoso. O bloqueio alcança o valor de R$ 4,25 milhões, o que corresponde ao valor pago à empresa mais a possível multa a ser aplicada em caso de condenação.

    O pedido de bloqueio foi feito pela 31ª Promotoria de Justiça da Comarca de Capital em ação civil pública por ato de improbidade administrativa, com o objetivo de garantir o ressarcimento ao erário e o pagamento das possíveis obrigações determinadas pelo Judiciário em caso de condenação.

    Na ação, a Promotora de Justiça Juliana Padrão Serra de Araújo relata que os réus lançaram um edital de licitação direcionado para a Escrimate, contendo exigências de especificações técnicas fornecidas pela própria empresa, de forma a garantir que a mesma se sagrasse vencedora do certame, pois somente ela poderia supri-las ¿ tanto que, apesar de várias empresas retirarem o edital, apenas ela apresentou proposta.

   Leia matéria completa. Beba na Fonte.

Petróleo: Um novo Contestado?

Revoltosos armados com facões de pau
   Estamos vivendo, em ritmo bem mais lento e enfrentando adversários muito mais “protegidos”, um novo Contestado: o do petróleo.

   Desde 1986, Santa Catarina demonstra fundada contrariedade em relação à equivocada demarcação de nossos limites marítimos estabelecida pelo IBGE. Coube ao Governador Vilson Kleinubing, estimulado pelo deputado estadual Germano Vieira, ingressar com a Ação Cível Originária 444, em 1991. Além do Paraná, não por acaso, São Paulo é litisconsorte.

   A Bancada Federal de Santa Catarina conseguiu que o Ministro Luís Roberto Barroso, em 20/12/2017, entregasse seu voto (teor não conhecido) para deliberação. Ao longo desse tempo, os primeiros poços foram explorados a partir de base operacional em Navegantes e Itajaí, sem o devido rendimento para nosso Estado. Os pedidos de tutela para que SC tivesse asseguradas suas receitas foram recusados pelo STF. Agora, quando a produção do pré-sal desloca para o sul a distribuição de “royalties”, criando “novos e ex-ricos”, dá para entender porque São Paulo é litisconsorte.

   Campos e Macaé simbolizaram, junto com o Estado do Rio, os ricaços da primeira fase. Já em 2017, Maricá (RJ), aquele do telefonema de Lula e Eduardo Paes, recebeu um bilhão de reais e Ilhabela, SP, recebeu 440 milhões. Os cofres estaduais de São Paulo receberam 2,5 bilhões. Em 2018 devem receber 4 bilhões. São os novos ricos. A previsão é de que mais de 50 bilhões de reais em receitas irão para estados e municípios nos próximos cinco anos.

   E Santa Catarina? Continuamos aguardando. Agora, a luta será por obter pauta para início do julgamento. Este é o esforço do momento! É claro que os famosos pedidos de vista e outras postergações vão ser “operados” pelos nossos oponentes. Mais uma vez, vamos enfrentar, numa longa batalha judicial, interesses poderosos. É preciso UNIDADE e PERSEVERANÇA!
Esperidião Amin

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Ficha suja


   Que história é essa? Quer dizer que no Brasil de hoje os tribunais mais elevados do Poder Judiciário podem optar por aplicar ou não aplicar a lei? Pelo que estão dizendo por aí, é isso mesmo. O Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior Eleitoral têm diante de si, ao longo do futuro próximo, precisamente essa tarefa prodigiosa. Vão ver se, no caso da condenação do ex-presidente Lula, a lei que está em vigor vale ou não vale. É uma das marcas mais triunfantes do nosso subdesenvolvimento. Trata-se de um hábito comum tanto aos mais civilizados cérebros da Escola Fernando Henrique de Pensamento quanto aos bate-­paus da CUT que fecham estradas para fazer política: segundo essa maneira de ver a vida, aplicar a lei pode “criar problema”. Dependendo da hora, do caso, do grão-duque que se enrolou com a Justiça etc., a execução da lei, “assim ao pé da letra”, talvez não seja o ideal. É possível que “a cura seja pior que a doença” — enfim, por aí vai rolando esse tipo de filosofia rasteira à venda em loja de contrabandista paraguaio, onde não existe nada de legal no estoque.

   No momento, a discussão levada aos nossos tribunais é algo realmente capaz de encher de orgulho a atual “Corte Suprema” da Venezuela, ou os conselheiros jurídicos do cacique Cunhambebe: defende-se, abertamente, a ideia de que a autoridade pública “não deve” executar a sentença que condenou a doze anos de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-presidente Lula. Mas por que não, Deus do céu? Sua sentença original foi confirmada, e ampliada, por 3 a 0 no TRF4, o tribunal superior para o qual o réu apelou. Não há mais fatos a discutir. As provas contra Lula foram julgadas perfeitas, após seis meses e meio de estudo pelos três desembargadores do TRF4. Seus cúmplices e corruptores confessaram os crimes e receberam pesadas penas de prisão por isso. Todos os direitos da defesa foram plenamente exercidos. Sobram ainda alguns recursos formais, de decisão rápida — e, depois de resolvidos, a única coisa a fazer é executar a sentença. Com Lula, porém, não está sendo assim. Aplicar a lei, no caso, poderia “não fazer bem ao Brasil”, segundo alegam o PT e o restante do “Complexo Lula”: juristas militantes, políticos que têm medo de dizer que são contra Lula (o alto PSDB é uma de suas tocas mais notórias), grandes comunicadores, o sistema CUT-MST-UNE-MTST, artistas de televisão, intelectuais, o movimento LGBT, e por aí vamos.

   Resultado: cobra-se, agora, que os tribunais façam ao ex-presidente a gentileza de “rever” a lei que permite a prisão de réus condenados em segunda instância. É esse, justamente, o dispositivo legal que levou o TRF4 a ordenar a execução imediata da sentença, depois de serem cumpridas as disposições de praxe ainda restantes. “Rever” por quê? É uma decisão absolutamente legal; na verdade, o TRF não teria o direito de deixar tudo por isso mesmo, depois de confirmar a condenação de Lula por 3 a 0. Cobra-se que seja “revista”, também, a Lei da Ficha Limpa, que está aí desde 2010, foi aprovada em cima de 1,6 milhão de assinaturas dos eleitores e proíbe a candidatura de condenados como o ex-presidente. Nesse caso, temos algo realmente fabuloso: o Partido dos Trabalhadores brasileiros, mais um monte de gente de alta reputação, pedindo na prática uma Lei da Ficha Suja. Nada pode funcionar desse jeito.
   
   Todo mundo tem o direito, é claro, de não gostar da sentença, ou de achar que ela foi injusta — assim como há, igualzinho, o direito de gostar da decisão e achar que foi justíssima. E daí? A Justiça não é um instituto de pesquisas; ela não pode funcionar, em nenhum lugar onde há seres humanos, pela votação do público, ou pelo que se “percebe” que é o “sentimento da maioria”, etc. Se a sentença foi limpa, ela tem de ser executada, ponto-final — e a sentença que condenou Lula é uma das mais limpas da história do Judiciário brasileiro. Mas o nome “mais bem colocado nas pesquisas” não estará na “lista de candidatos”, exclama o círculo do ex-presidente. E daí? O que uma “pesquisa” tem a ver com a execução da lei? Haverá “convulsão social”, ameaçam o PT e um ministro do próprio STF. Que convulsão? Quais as provas disso? Não há nem haverá nenhuma convulsão. O ex-­presidente Alberto Fujimori, do Peru, ficou preso durante doze anos e foi solto apenas em dezembro último. Jorge Videla, da Argentina, condenado a prisão perpétua, morreu no cárcere. O que há de tão especial com Lula? Presidente na prisão nunca acabou com país algum.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

O feliz carnaval do ONODI/Campeche






As Pontes e a Reforma EsPINHOsa na Província Catarinense

“Vou construir muitas igrejas? Não. Muitas capelas? Talvez. Mas vou deixar bases para grandes catedrais.” (Pinho Moreira. DC, 10 /02/2018)
 
Ponte construida pelo MDB. Decadência.
   por Eduardo Guerini

   O MDB, partido que governou Santa Catarina no período de 2003 a 2010 sob a liderança de Luiz Henrique da Silveira, volta a controlar a Casa d’Agronômica, costurando alianças e substituindo a estrutura de Raimundo Colombo (PSD/SC) atual governador, que se afastará para período de estudos, garantindo que Pinho Moreira (MDB/SC) faça as costuras políticas para um mandato tampão de dez meses.

   Na tentativa de construir pontes com o PSD, partido do governador em processo de afastamento, a tarefa espinhosa do vice-governador que exercerá em breve a chefia do executivo catarinense é criar um perfil técnico para sua equipe de secretários. Os partidos da base – PSDB e PP, com voos alternativos e liderança em oposição histórica ao MDB serão substituídos por partidos alinhados a nova configuração política.

   Na conjuntura política nacional extremamente fragmentada, em que o governo de Michel Temer sofre uma rejeição unânime, o MDB passa por sucessivas denúncias de corrupção passiva e ativa, formação de quadrilha, descrevendo dificuldades para as principais lideranças regionais garantirem um descolamento da imagem negativa que se materializa junto ao eleitorado brasileiro e catarinense. No âmbito regional, os caciques microrregionais se digladiam para formação de uma chapa ao pleito eleitoral de 2018. Porém as pontes apresentam fissuras irremediáveis dada a histórica corrupção da sigla e perda de base ética na sua coalização.

   O presidente da sigla, Mauro Mariani – Deputado Federal (MDB), pretende herdar o espólio de Luiz Henrique da Silveira na Manchester Catarinense e Planalto Norte. O senador Dário Berger, oriundo de muitas passagens partidárias, atualmente no MDB, construiu sua liderança na região da Grande Florianópolis, porém sofreu um revés político em condenação na segunda instância recentemente. No caso de Pinho Moreira, sua liderança no sul do Estado de Santa Catarina é limitada e reduzida, embora alguns colunistas e lideranças da microrregião induzam a ideia que é candidato natural à disputa eleitoral ao governo. Na falta de alicerce fortes, a travessia curta e tortuosa será corroída por traições e dissensões. Existe uma clara falta de liderança e envergadura para os órfãos de Luiz Henrique da Silveira.

   A histórica perda de força política do MDB no plano estadual resulta dos embates internos e da crise fiscal do Estado catarinense, somada ao oportunismo das novas lideranças que esqueceram o legado histórico de um partido de oposição , que lutou contra a ditadura, arregimentando forças progressistas e centristas, um legado maldito que Pinho Moreira terá que administrar no intrincado cenário de forças políticas em orquestração para disputa majoritária de outubro próximo na província catarinense.

   Enquanto minimiza a dívida bilionária e déficit nas áreas de Saúde e Segurança Pública deixada por Raimundo Colombo, um político que conciliou oportunismo com pragmatismo, alicerçando uma gestão de “realismo fantástico”, sob a batuta das velhas lideranças políticas catarinenses. A tarefa de Pinho Moreira (MDB) em nomear técnicos para os principais cargos do secretariado, não passou de mais um arroubo, característica de políticos profissionais, da qual o vice-governador Pinho Moreira é notório representante no MDB catarinense.

   Não devemos esquecer que o “realismo fantástico” vendido com superlativas propagandas institucionais na gestão de Raimundo Colombo (PSD), foi referendado pelo PSDB, PMDB e PP, principais siglas da engenharia política que Luiz Henrique da Silveira e Jorge Bornhausem legaram para não perder o controle do aparato estatal barriga verde. O sucesso da máquina reeleitoral nas chamadas ADR´s, outrora, Secretarias de Desenvolvimento Regional, foram um profícuo laboratório e abrigo de lideranças municipais sem voto e sem lastro popular, muitas derrotadas politicamente. Os cabos eleitorais e militantes profissionais do coronelismo do voto se estabeleceram por “Toda Santa Catarina”, num “cabidário” de comissionados e empregos públicos indicados micrroregionalmente por lideranças da polialiança pragmática-oportunista (PSD,DEM, PSDB,PMDB,PP, PR, PSC). Todos sustentados pelo combalido cofre das finanças estaduais catarinenses, que consome anualmente aproximadamente R$ 400 milhões de reais.

   Como o MDB gosta de referendar seus programas como de transição, usando a metáfora da “ponte”, uma passagem segura para o futuro, nesta semana, viralizou nas redes sociais, as condições degradadas na conservação das pontes Colombo Salles e Pedro Ivo, embora noutro lado, o monumento histórico – a Ponte Hercílio Luz, continue em reformas intermináveis, sem previsão de tráfego de pedestres ou veículos.

   Realmente, a herança maldita de Raimundo Colombo, a crise fiscal com reflexos nos principais setores, quais sejam: saúde, educação e segurança pública, requer uma base de sustentação sólida diante das fissuras internas, dos partidos de apoio , e, principalmente, da degradação programática, ideológica e ética do MDB nacional e estadual.

   Eis a tarefa esPINHOsa para pontes políticas que se deterioram por ação do tempo e dos grupos de interesses que atuam nas secretarias, agências regionais e na própria Casa d´Agronômica.

   Talvez falte tempo hábil para decupar a estrutura diante de um solipsismo do vice-governador que assumirá o comando do Poder Executivo Catarinense. A pinguela insustentável do MDB sob um tráfego pesado de ações corporativas e partidárias numa província que vive o espectro da crise fiscal e falta de um projeto alternativo, pode ruir antes de outubro de 2018! 

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Desigualdade

por Emanuel Medeiros Vieira
  
“Que falta nesta cidade? Verdade. Que mais para sua desonra? Honra. Falta mais do que se lhe ponha? Vergonha” (...)(Gregório de Matos Guerra – 1636-1696, que tinha a alcunha de “Boca do Inferno”)

O ano passado registrou o maior crescimento do número de bilionários da história, com um novo bilionário no mundo a cada dois dias.
Segundo com a ONG britânica Oxfam, o aumento seria suficiente para acabar sete vezes com a pobreza extrema no planeta.
Conforme matéria de Gabriela Albach, de toda riqueza produzida pelo mundo no ano passado, 82 por cento ficou concentrada com 1 por cento da população mais rica, enquanto a metade mais pobre da humanidade não teve qualquer aumento em seu patrimônio.
“O aumento da desigualdade é uma tendência global, e o Brasil tem seguido essa tendência”, afirma Kátia Maia, diretora da Oxfam no Brasil.
Os dados fazem parte de relatório “Recompensem o trabalho, não a riqueza”, produzido pela ONG.
Segundo o levantamento, dois terços das fortunas estão ligadas à herança, monopólio e ao chamado “capitalismo de compadrio”.
Para a ONG, a geração de empregos decentes é a aposta para diminuir a desigualdade. Para ele, as nações mais pobres abrigam – é claro – a maioria diminuir a desigualdade.
O economista sueco Gunnar Myrdal, Prêmio país sem tecido empresarial forte.
As nações mais pobres abrigam a maioria com rendas baixas, fundamentalmente para permanecer vivo, ampliando a incapacidade de poupar.
Como disse Helington Rangel, através de processos de deslegitimação e exlusão moral, o cidadão não se sente obrigado a reconhecer normas e regras sociais, fora do seu grupo.
Segundo estudo do irlandês Marc Morgan (estudante de Economia de Paris, e que tem como orientador o francês Thomas Poketty, autor de “O Capital no Século XXI”), a desigualdade no Brasil é muito maior do que se imaginava, com ENORME CONCENTRAÇÃO DE RENDA NO TOPO DA PIRÂMIDE SOCIAL,
O grupo que representa os 10 por cento mais ricos da população fica com mais da metade da renda nacional.
É impossível efetivar um verdadeiro regime democrático com uma desigualdade tão perversa e obscena.
(Salvador, Bairro da Graça, fevereiro de 2018)

Comentário de Leti Arangue 
    Excelente tu escritura amigo mío, aprovecho para saludarte ante todo, para felicitarte porque es tan cierto y real lo que tan bien escribiste que me quede reflexionando.  Pensando en lo que ya muchos sabemos y que olvidamos recordarlo, más aún cuando nuestras quejas son tan tan infimas. Comparto absolutamente tu pensamiento. Por otro lado te cuento que estoy en ee.uu y no me canso de ver compatriotas tuyos, que de tal mala forma se comportan y pienso, será que no estamos los latinos a vivir en orden??? Será que nuestra educación es tan pobre que ya ha llegado a ser tan primitivos?? El argentino pero sobre todo el que nunca a viajado es igual y me da vergüenza verlos. Cómo siempre decirte que sigas con tu fortaleza, la escritura ayuda al alma, no dejes de escribir. 
Te quiero mucho. 
Gracias por compartir tu gran gran sabiduría.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Viver é para profissionais!

A matéria abaixo foi publicada em 2008 quando a mãe estava com 86 anos. Morreu no início de 2018, 11 de janeiro, aos 96 anos. Inteira, alegre, lúcida, consciente, adoeceu num dia e morreu no outro, sem dor ou sofrimento. Chamou os filhos, agradeceu a Deus pela vida maravilhosa e família querida que teve. Dormiu e morreu!

Em Blumenau, comemorando seus 96. Agosto de 2017.
    Publicado em 2008. 

   Minha mãe, Noé tem 86 anos e mora em Quaraí. Fronteira com o Uruguay. Falando, hoje, por telefone, ela me contou que às 15 horas escutou um barulho na porta e foi ver o que era. Era a Iara. Uma chaveira da confiança de todos na cidade que tem cerca de 25 mil habitantes.

- Oi Iara (disse ela com cara de interrogação) enquanto a chaveira colocava pó de grafite no miolo da porta.
A Iara rapidamente percebeu a cara de surpresa da minha mãe e como sabe tratar com pessoas de...digamos...certa idade, saiu justificando porque estava ali.
- Oi Dona Noé. A senhora me ligou ao meio-dia pedindo para vir arrumar a fechadura da porta. Como prometi, estou aqui às 3 horas.
A mãe, macaca velha (el diablo sabe más por viejo do que por diablo - José Hernadez) concordou e pagou os 10 reais pela visita.
Depois da saída da Iara, entrou em parafuso.
-Estou esclerosada! Perdi a memória!
Ou seja, achou que finalmente tinha envelhecido. No mau sentido!
Logo ela que dirige um Clio 1.6 e recusou um Clio 1.0 porque achava que o carro não “puxava” quando necessário. Ela que tirou a carteira de habilitação com 60 anos e recusou a nota 9,5 e fez um novo exame para ter o 10 que “sabia” que merecia...que coisa!!!
Perguntou para a “secretária”:

- onde eu estava hoje ao meio-dia??????
-Dona Noé, a senhora tinha idode auto a Artigas (cidade uruguaya que faz fronteira com Quaraí)
Aí a mãe concluiu que não havia feito aquele telefonema chamando a chaveira.
Bem, a partir daí as especulações abarcam um universo infinito.
Golpe da chave. Conflito, pois a moça chaveira é de confiança da cidade e de família. A “secretária” estaria mentindo??? Sei lá...para uma...senhora...de 86 anos...todos podem estar conspirando contra...ou é tudo coisa da minha, digamos, caduquice?


   Concerto de Miguel Proença
   À noite o pianista Miguel Proença faria um concerto em Quaraí, sua terra natal. A minha mãe, motorizada, ficou de passar na casa da amiga Lelinha, mãe do lendário jornalista/músico/parceiro de bar/amigo, José Antonio Ribeiro (Gaguinho).
   Quando chegou, a amiga pediu para que ela passasse na casa da dona Zoé, outra viúva, dessas que ficam melhores depois que os filhos crescem.
   A mãe ficou feliz, pois fazia muito tempo que não via a dona (o dona é meu por educação. Fui aluno dela) Zoé.
Bem, o programa foi só alegria. O concerto maravilhoso.


- O Miguel é muito gentil, vi ele crescer, diz a mãe.

   Mesmo feliz com o encontro da Zoé e com o concerto do Miguel a mãe não conseguia tirar da cabeça o fato de que...havia envelhecido. Sem memória. Passando vergonha...QUE ...!!!!
   Mas tudo bem. Quando foi deixar a dona Zoé em casa ouviu a seguinte reclamação:
- Que problema Noé! Vou ter que entrar pela porta dos fundos pois liguei para a Iara, hoje ao meio-dia, e ela prometeu que estaria aqui às 3 da tarde para arrumar a fechadura da porta da frente que não está funcionando e não veio.
 

   Noé/Zoé...Bem, segundo relato da minha mãe, ela ficou bem quieta, rindo por dentro, é claro, e continuou se sentindo jovem.
   Tenho 54 anos e sempre penso...no futuro. Não sei se seria negócio, pra mim, chegar aos 85 depois de tudo que fiz. Mas chegar aos 85 com esse espírito auto-crítico de resistência ao inexorável é muito mais do que eu jamais havia imaginado.
   Espero ser herdeiro deste grande patrimônio genético, como dizia o meu amigo Sérgio Bonson.


Corina Wortmann deixou um novo comentário sobre a sua postagem "O guri mais simpático da fronteira":

Bah, Canga, eu não lembrava que tu eras "quatro olho", mas, com certeza, o guri mais simpático de Quaraí! Eu também fui considerada antipática e burra pq até os 7anos não enxergava um palmo adiante do nariz! Casa de ferreiro, espeto de pau! E depois a coisa piorou pq além da miopia, tinha um olho "preguiçoso" e me deixaram com o olho tapado por 2 anos pra não adiantar nada!
Canga, adoro teus textos

 

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Vontade e prazer de viver

A matéria abaixo foi publicada em 2011 quando a mãe estava com 90 anos. Morreu, agora, no dia 11 de janeiro aos 96 anos. Inteira, alegre, lúcida, consciente, adoeceu num dia e morreu no outro, sem dor ou sofrimento. Chamou os filhos, agradeceu a Deus pela vida maravilhosa e família querida que teve. Dormiu e morreu!

Detalhe: a chave do carro na mão
Publicado em 7 de maio de 2011.   
   Assisti ontem o Globo Repórter sobre o tempo, das pessoas, e não tive como não lembrar da minha mãe. 
    Aos 89 anos, internauta, ativa, cheia de conversa, leituras, humor e alegria. Acho que o segredo da longevidade está na vontade e no prazer de viver. 
    No seu cotidiano coleciona amizades de todas as idades e não passa um dia de sua vida sem organizar um almoço, uma visita ou um passeio de carro com alguém.
    Fala que não pode perder muito tempo dormindo. Dorme invariavelmente depois da 1 da manhã. Entre as suas diversões preferidas estão as viagens, dirigir seu Honda Fit e convidar amigas para um chá e assistir DVD de grandes óperas.
    Recentemente estive de viagem à fronteira. Eu e meu irmão passamos por Porto Alegre para levá-la para casa, em Quaraí. Chegamos à noite na capital do RS e nem fomos visitá-la. Saimos direto para a esbórnia com o nosso grande amigo, o músico Leonardo Ribeiro. 
    Foi uma noite arrasadora, já descrita aqui em um post chamado Conseguindo sair de Porto Alegre. Como a "correrias" se arrastou até às 8 da manhã, dei uma descansada básica e resolvi sair de Porto alegre o mais rápido possível. Peguei um avião para Rivera no Uruguai e nem fui ver a mãe. O meu irmão iria levá-la para Quaraí no domingo, de auto.
    Chegando à noite em Quaraí encontrei a casa fechada e não quis acordar o vizinho para pegar a chave. Fui direto para Artigas, no Uruguai e, após uma noitadinha básica, me hospedei na casa de um amigo.
    No outro dia bem cedo rumei para a minha antiga moradia, onde me criei. Peguei a chave, abri a casa e já comecei a procurar a chave do auto, porque Quaraí é pequeno mas sem auto não dá!
    Revirei a casa e nada da chave. Não tive outra alternativa a não ser telefonar para a mãe em Porto Alegre. 

- Oi mãezinha, tudo bem?

-Oi meu filho, por onde andas?

-Estou aqui em casa mãe.

- Ah! Que bom, dá um beijo em todo o mundo aí! (Já sabia que eu estava em Quaraí).

- Não mãe, estou aqui em casa em Quaraí!

- Mas meu filho, essa aí é a minha casa. A tua casa é em Florianópolis com a tua família há muito tempo.

Troquei de assunto rapidamente e perguntei:
- Mãe, não achei a chave do carro, a senhora pode me dizer onde está?

- Pois é meu filho, se tu tivesse passado aqui para dar um beijinho na mãe agora estarias de carro. A chave do carro anda sempre comigo.

Fiquei diapé!
 
Encontrei-a no domingo e rimos muito da história. Essa é a Dna. Noé que completa 90 anos no dia 13 de agosto.  
Gran fiesta!!!!!! 
 

CRUCIFICADO (Memória)



 por Emanuel Medeiros Vieira

Em memória do José: meu irmão e padrinho de Batismo. Em memória de Luiz Travassos (com quem tentamos e outros éticos companheiros), refundar –ou deixar as sementes– de uma nova “esquerda”: democrática e humanista (já na década de 60)

Óculos de sol quebrado. Vetor desenho de vetor e ilustração royalty-free royalty-freeTerá valido a pena o sacrifício do Crucificado?
Outrora, agora – sempre?
Na sala não muito grande, papéis na mesa.
Havia uma “cadeira do dragão” (lembrava os antigos assentos de barbeiros, pesados e de madeira, com uma cobertura de zinco, ligada a um regulador de  voltagem): sentiam-se os choques no corpo inteiro, e era muitofácil um cardíaco morrer ali – o instrumento era mais utilizado, quando o interrogado não falava “apenas” com choques elétricos nas mãos, no pênis etc,)
 Passara o ritual (para mim foi o primeiro) dos choques nas mãos, nos ouvidos e o “telefone”: tapas com as mão s abertas no dois ouvidos).
O militar sem farda olha o Crucifixo na parede.
E diz: “Pede para Ele”.
Olho: o militar sem farda, o Crucifixo.
“Pede para Ele” – insistiu.
Ele cortava as palavras, abolia sujeitos, predicados, verbos: só interessava a eficácia (a lógica do Processo).
O homem sem farda queria que eu apelasse ao Crucificado para que a “cadeira do dragão” não fosse ligada – que fosse cessada a tortura (mas essa palavra eles não gostavam de usar).
“Ele Te Salvará?”, perguntou com sorriso cínico.
Cristo quieto na parede.
O homem musculoso ligou a máquina: gritos, mais gritos – só  gritos.
Ouviam-se berros vindos de salas vizinhas. As celas eram no térreo.
Um minuto (creio) parecia uma hora, ou a eternidade toda.
(Eu sabia: deste lugar-comum, eu não conseguiria escapar.)
Por que não morrer?
Eram equipes diversas: entrava uma, saía outra.
Eles enxugavam-se com toalhas.
Quem me interrogava agora  tinha cabelo escovinha.
Quanto tempo  aguentarei?
O Crucificado continuava em silêncio.
Escutei barulho de carros, pneus rangendo.
Alguém – me informaram – havia morrido.
O médico calculara mal.
Havia um médico e o chamavam de vez em quando.
Ele pega um aparelho e, curtamente, dizia: “Esse aguenta mais um pouco”.
“Esse está no limite”.
Um guarda no térreo (eu estava no primeiro andar) berrava eufórico: gol do Corinthians.
Operação Bandeirantes OBAN (Operação Bandeirantes), Rua Tutóia, Bairro Paraíso, São Paulo.
Departamento  de  Operações de Informação (Doi)
Centro de Operações de Defesa Interna (Codi).
Sim: o bairro chamava-se “Paraíso”.
Havia alguns homens com fardas, fios ligados e aquela cadeira enorme.
(Não, não era tão grande assim. Agora me parece. Faz 48 anos.)
“Um cardíaco já morreu aqui”, contou chefe deu uma equipe.
A quem mais odiavam?
Prestes e Lamarca: vieram de suas entranhas – o Exército..
Textos meus em cima da mesa.
Um panfletário e violento artigo contra a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto (1950-1968), assassinado pela Ditadura  no “Calabouço”, no Rio de Janeiro.
Escrito no jornal do “Centro Acadêmico André da Rocha” – Faculdade de Direito da UFRGS.
Eles só pediam um nome: de alguém que estava fugindo para o Uruguai,  mas eu calculava: ainda não chegado lá.
Era preciso aguentar mais um pouco.
Não sei se conseguiria – estava um bagaço. Pensava: eu já estava morto? Me levaram para a cela, sentia-me cego, sangue escorrendo por todo o lado e – sempre há um pior que o outro – um agente jogou um  balde d’água no meu corpo..
Havia na cela, mais um sete ou oito presos.
Alguém improvisou um curativo .para mim. Queria ter guardado o seu nome.
Na transferência da OBAN para o DOPS – 19 de dezembro de 1970 , pessoas faziam compras de natal.
“Saiam da frente”, são terroristas”, gritavam os agentes, e as pessoas nos olhavam horrorizadas.
 Um agente (naquelas caminhonetes), no transcurso da OBAN para o DOPS, disse: “Não temos nada contra vocês. Se a revolução de vocês ganhar, pagando bem, a gente bate também naqueles que vocês mandarem”.
Feliz natal!*
*Não ia inserir no texto acima: pareceria, com razão, inverossímel.
Acreditem: certa vez, quando estava sendo torturado, lembrei de T.S. Eliot (1888-1965): (... ) “Mas aquilo que apenas vive/Pode apenas morrer (...)
Lembrar-se de versos na  hora da pancada, soará inverossímil.
(Mas foi o que me salvou.)
O Crucificado? Eu não sei Ele ainda está lá, se existe aquela sala, se aquilo tudo foi demolido, se as pessoas que estavam comigo na cela já morreram, como os torturadores– para que serve  aquela construção agora?
Pude dizer o nome que eles queriam:  ele já havia chegado o Uruguai.
Como sabia?  A gente sabia.
Para eles, eu agora era um trapo inútil, mas com processo nas costas, e eu precisava continuar  a viver.
Repito: faz 48 anos.
(Anos mais tarde, ouvi Vandré e Gardel, lembrando-me daqueles dias de minha juventude (a minha:  com 25 anos).
Não sei até por que resolvi o ouvir Gardel?
O Crucificado? Perdi-o de vista. Talvez esteja numa igreja velha.
(Salvador. Bairro da Graça. Janeiro de  2018)