quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

O MÉDICO?



   por Anastácio Kotzias Neto*


   Pensei em escrever sobre o decreto que bloquearia a instauração de mais cursos de medicina, não por achar oportuna e mais que necessária tal atitude, mas por não acreditar que aconteceria. Não aconteceu e além das 3... faculdades, o maior número no planeta, muitas das existentes tem autorização para duplicar a oferta de vagas.

   A maioria destas faculdades são privadas, dependem do FIES e não oferecem ensino de qualidade. Muitas delas não dispõe de corpo docente, de estrutura pedagógica como laboratórios e anatômicos, e tampouco hospitais a ofertar ensino de qualidade a formar profissionais que deverão nos assistir. Residência Médica nem pensar.

   Mudei de idéia ao tomar conhecimento da decisão do STF a respeito do MM, consideraram os Srs. Ministros que não é necessário ter formação para prestar assistência ao cidadão brasileiro, basta ter a supervisão de um “tutor” que na maioria das vezes não existe, ou está a quilômetros de distância. Ouvidos moucos às manifestações das entidades Médicas como o CFM e AMB e também olvidaram os relatórios do TCU. 

   As Sociedades de especialidades nas últimas décadas se organizaram no sentido de oferecer formação adequada e de qualidade formando profissionais com conhecimento adequado. Esta determinação do STF viola o princípio constitucional da igualdade ao  fazer exigências curriculares a médicos brasileiros e não fazer o mesmo em relação aos estrangeiros. Assumindo tal postura o poder público cria "potenciais danos à vida e à saúde dos pacientes".

   Representante da AGU defendeu a legalidade do programa Mais Médicos referindo que “ele foi criado para atender às populações mais carentes que não tinham acesso a um médico, reafirmando o conceito de oferecer medicina diferente a diferentes cidadãos.  

A sociedade brasileira cansada de tantos escândalos e banalização do sofrimento e morte, assiste passiva a destruição de uma profissão milenar. Seu silêncio facilita aos gestores a transferência da responsabilidade pela situação caótica da assistência a saúde aos Médicos. Seriam eles os responsáveis pelo fechamento de  mil leitos, a falta de insumos, medicamentos e pessoal nos postos e hospitais?

   O que assistimos hoje me faz parafrasear Platão onde poderemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens que detém o poder têm medo da luz.

*Médico Ortopedista - Representante de SC no Conselho Federal de Medicina

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

ATÉ



por Emanuel Medeiros Vieira - ouvindo o Hino de São Miguel Arcanjo (com Azkia Pachamama)

Hoje vemos como um espelho, confusamente, mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte: mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido” (Primeira Epístola de São Paulo aos Coríntios, 13-12)

Segure minha mão
preciso  cumprir minha Missão – São Miguel Arcanjo
(repetindo o Hino)
que  volte brevemente para casa
(não o terreno lar)
outro lugar
que um dia todos possam voltar para casa
a Indesejada está perto
(na soleira da porta –e mostro a língua para ela))
não a temo
peço que segure minha mão – e contemple o meu olhar-olhar-olhar
de  um azul gasto
devoto   fui desde menino – deste Arcanjo
irei como criança
 mas espelhos já não me confundirão
parto  sem medo
 com amor: sem ele nada seria
você  salvou minha vida – tantas vezes
dos impérios do Mal
 seu olhar percebe o cansaço da lida
 te espero – com água  no farnel e morangos
proteja os que ficam –
só uma Ponte
 hora de fazer a Travessia
não plantei tudo o que queria
Arcanjo: poderei dizer que cumpri minha Missão?
segure na minha mão – segure
(Salvador, junho de 2017)

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Hospital de Caridade: uma casa de respeito.

   
por Armando José d'Acampora
 
   Uma instituição como o Hospital de Caridade, o primeiro Hospital do Estado, com duas centenas e meia de vida, desde sua fundação, tem muita história para contar.

   Aquela modesta capela que a Beata Joana de Gusmão erigiu para a abrigar a pequena imagem do Menino Deus acrescentada da famosa escultura em madeira do Senhor dos Passos, ainda hoje faz toda a diferença para os desassistidos.

   Continua a atender aos necessitados como o faz há mais de duzentos anos.

   A diferença é que antes recebia o que gastava, e hoje o SUS paga menos da metade do custo de cada procedimento. Fica impossível fechar a conta. É simples matemática, onde dois mais dois são três e não quatro.

   Mesmo assim, no vermelho, continua atendendo. Até quando?

   Até quando se exaurir o patrimônio físico do Hospital, como imóveis e obras de arte, tendo sido vendidas para pagar dívidas com funcionários e fornecedores, com significativa diminuição do seu patrimônio.

   Desde 1977 frequento as dependências do Hospital de Caridade. Nesta época, como aluno do Curso de Graduação em Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

   O sonho era, após a Residência Médica, lá trabalhar, sonho que se realizou em 1981, quando iniciei a cumprir plantões de Emergência e a operar pacientes no Caridade.

   Foi durante esta época de estudante que conheci figuras idôneas e idolatradas como Eros Clóvis Merlin, Ney Perrone Mund, Célio Gama Salles, Arthur Pereira Oliveira, João Carlos da Costa Gayoto, Rodrigo d’Eça Neves, Mário Gentil Costa, Ernesto Francisco Damerau, Maria Aparecida Gomes, Marcelo Haberbeck Modesto, Paulo Norberto Discher de Sá, Edgar Alves Ferreira, Waldomiro Dantas, Geraldo Nicodemos Righi Vieira, Felipe Felício, Jorge José de Souza Filho, Irineu May Brodbeck, Norberto Ferreira com quem muito convivi e aprendi, pois tive mestres que nada da ciência e da conduta pessoal a mim escondiam.

   Hoje convivo e continuo aprendendo com outros ícones da Medicina executada no Caridade como José Roberto de Carvalho Diener, Jorge Dias Matos, Miguel de Patta, Mário Cherem, Aurélio Rótulo de Araújo, Iraê Ruhland, Sérgio Francalacci, José Ferreira Bastos, Eros Merlin Filho, Luiz Ceola, Wilmar Gerent, dentre tantos outros que me ajudaram a ser realmente um médico, daqueles de verdade.

   E assim, lá se vão quase quarenta anos tendo o Caridade como uma extensão da minha casa. Além disso, a Karin, minha mulher, lá também exerce sua medicina e isto ampliou e fortaleceu ainda mais o vínculo que tenho com minha segunda casa.

   Vejo no Caridade o símbolo de uma Medicina exercida com paixão, com um apego desmedido ao Hospital, desprezando todos os seus defeitos, que com bastante paciência se procura consertar.

   Quando não havia SUS, era no Caridade que os indigentes, aqueles que não tinham eira nem beira, era lá que se escoravam para resolver suas doenças, fossem grandes ou pequenas.

   A UFSC usufruiu e realizou benfeitorias no Caridade até 1983, quando se mudou totalmente para o Hospital Universitário.

   A cidade só possuía o Hospital de Caridade, o Hospital Celso Ramos e o Hospital Nereu Ramos, que serviam para resolver os problemas mais graves de quase todo o estado. Os outros abriram muito mais tarde.

   Ainda não existia a ocupação dos municípios de Santa Catarina por médicos habilitados e tudo drenava para o Caridade, que como coração de mãe, sempre aceitava mais um paciente vindo nem se sabia de onde, e de gravidade desconhecida. Tanto poderia ser uma Pneumonia complicada como um politraumatizado. Era no Caridade que tudo se resolvia.

   A nenhum destes pacientes era negado atendimento. Nós, os médicos, sabíamos o prejuízo que ao Caridade causavam. Mas fazer o que? Não atender por que causavam prejuízo?

   Os médicos nunca tiveram a preocupação em receber honorários daqueles menos favorecidos. Era a nossa parte na caridade do Caridade.

   Hoje vejo o Caridade passando por situação econômica complicada, assim como todas as outras Santas Casas do país, haja vista a fragilidade do SUS, pois se gasta para tratar um paciente mais do que se arrecada.

   Há forte e grave prejuízo mensal no Caridade com o atendimento do SUS, o que foi se acumulando nos últimos anos, e que, infelizmente, não há reposição via Secretaria da Saúde, tanto Estadual quanto Municipal.

   Prejuízo é igual a menos numerário de entrada, desfazendo o equilíbrio financeiro, levando a comprar insumos e alimentos sem poder garantir que o fornecedor irá receber pelo seu fornecimento, o que pode ser suportado por um determinado período de tempo, geralmente curto, depois não haverá como.

   Ou paga ou não haverá insumos.

   Mas o que vejo, e com tristeza enorme, é uma população que não valoriza o que tem.

   Que ainda não entendeu que se o Caridade tiver que fechar suas portas, serão 300 (trezentos) leitos a menos em Florianópolis que já carece de outros 300.

   Estão desatentas, estas pessoas, pois se acabará um serviço de UTI com 40 (quarenta) leitos que dificilmente retornarão a atividade, numa cidade onde se clama por mais leitos de UTI e Coronária.

   Que pena.

   Não vemos nenhum industrial ou comerciante da cidade preocupado com esta situação. Será que seus funcionários continuarão a ser atendidos em um Hospital com a competência e a agilidade do Caridade ou será que deixarão de ser atendidos em um local onde a excelência não é permitida por falta de mobilização destes e da população desta mágica cidade.

   Se o Caridade, o primeiro Hospital do Estado, deixar de atender seus pacientes, será um grande atraso para a cidade e para o estado, sem dúvida, mas será pior para os pacientes que terão de sair a procura de atendimento em outros nosocômios já superlotados.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

IMANÊNCIA

por Emanuel Medeiros Vieira 
                
Deve-se aprender a viver por toda a vida, e, por mais que tu talvez te espantes, a vida toda é um aprender a morrer.” (Sêneca: 4-aC - 65 dC)
 
Galos na madrugada/Galos no coração
em nuestra América
Solar manhã: contamina-me com os teus raios
Garimpeiro ainda sou – não de barras de ouro
Perdida emoção, sonho escondido no sótão
Parabólicas afetivas – o menino e o velho
sou um rio cheio de afluentes, migrando sempre  –   tão longe, tão perto
Esse estatuto de miséria não é o nosso
Famélicos de infinito: mapas tortos, bússolas quebradas

E meu pai aparece na luminosa manhã – e ele já se foi há tanto tempo
Pai, nossas orações estão cheias de sujeitos ocultos, predicados mesquinhos, verbos frágeis.
Sempre te amei, Pai!
Ele só escuta – terno preto, aliança, colete, chapéu, relógio de algibeira.
Tudo é descartável, pai, nada fica.Ele sorri, vai embora.
E o subcutâneo domingo irrompe além da pele.
Lembro-me de um circo mambembe que ficou no subúrbio da alma
Do dia, quero o sumo, não só o travo – e um piano corta a tarde
Adeus, Meu Pai!
 
Caro Emanuel :
Certamente, "Imanência" é uma das tuas melhores criações, um momento mágico de inspiração, forma , estilo, palavras escolhidas, ritmo, melodia. Nenhuma palavra ou construção, frase, é descartável.Uma intensidade elegante, apurada e escorreita. Um achado. Um primor.

Obrigado, caro amigo!
N.Wedekin
    

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

História de terror, torturas e agressões na "Masmorra"

Vozes do Case – Exclusivo: Vigilância contra a violência
 MPSC e Justiça afastam agentes socioeducativos acusados de agressões e tortura no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) da Grande Florianópolis. Os casos revelam as violações aos Direitos Humanos dos adolescentes e, segundo o promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude, fazem o Estado retomar o tratamento degradante e desumano aos quais foram submetidos os internos do Centro Educacional São Lucas, interditado judicialmente em 2010 e classificado na época pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como “masmorra”.
 
  Lúcio Lambranho, Gabriela Rovai/Coruja Filmes e Eduardo Cavalcanti/Retrato
    
Construído em 2014, às margens da BR-101, em São José, na Grande Florianópolis, o Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) tem uma estrutura com nove alojamentos, quadra de esportes, ginásio coberto, espaço para oficinas, anfiteatro, centro de saúde, salas de aula e informática e horta. São 8,4 mil m², cercados por muros de cinco metros de altura, e com capacidade para receber até 90 jovens – 70 com apreensão já decidida pela Justiça, e 20 provisórios, que pode ficar internados por até 45 dias. Com o novo prédio, o Case parecia adequado ao desafio de reeducar jovens condenados ou a espera de julgamento por alguma infração, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
   A estrutura é impressionante, principalmente se for comparada com o antigo Centro Educacional São Lucas, que ocupou o mesmo terreno de 1972 a 2010 e chegou a ser apelidado de “masmorra” por um grupo de juízes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em visita ao local. Também conhecido como “cadeião dos menores”, o espaço foi fechado pela Vara da Infância e Juventude de São José após uma série de denúncias de condições insalubres do prédio, recorrentes registros de torturas e violências praticadas contra os adolescentes por monitores, mortes e o não cumprimento das determinações judiciais que tentavam melhorar as condições da unidade.

   Leia reportagem completa no FAROL