sexta-feira, 10 de julho de 2009

O HOMEM E SEU DUPLO

Por Olsen Jr.
olsenjr@matrix.com.br

O que vou escrever não tem nada a ver com a obra “O Homem e o Seu Duplo”, de Alexandre Figueiredo, tampouco com “O Homem Duplo” (que originou o filme “A Scanner Darky”) de Philip K. Dick (o mesmo autor de Blade Runner) e menos ainda com “O Homem Invisível”, de H. G. Wells.

O assunto aqui é mais leve.

É vox populi que todo o homem tem em algum lugar um sósia. Em outras palavras, alguém que é a sua imagem e semelhança, pelo menos no estereótipo.

Mas também não é isso do que pretendo tratar.

Só abrindo um parênteses, o escritor Christopher Lash (conhecido pela obra “A Cultura do Narcisismo”) escreveu uma espécie de continuação dela em outro livro “O Mínimo Eu” em que fala do narcisismo passivo e que o Paulo Francis emendava, referindo-se ao autor “acha que o mundo de hoje é dominado de tal forma por um complexo de burocracias todo poderosas que é difícil a alguém ganhar a individualidade”, mais “a vida é um constante comercial de TV ao qual o espectador tenta se segurar e tenta seguir, mas não consegue”, concluindo “ teme a idade e a morte de maneira infantil, nunca sai da infância”.

Começo por aí, pela infância. Quando éramos crianças, nós inventávamos um mundo de mentirinha e nos refugiávamos nele. A partir daí as brincadeiras faziam um sentido especial o que as tornavam necessárias. Nós não estávamos muito conscientes da duplicidade dos mundos, o que era “real” de onde provínhamos e do outro “imaginado” que acabávamos de criar. Os dois mundos até poderiam se confundir, embora sempre preferíssemos aquele outro o do faz de conta e sobre o qual tínhamos o domínio absoluto, inventando personagens e situações que parodiavam a vida adulta (ou não), mas nesse caso era apenas uma representação que poderia ser abandonada quando estivéssemos cansados dela.

O importante era ter uma ingerência na fantasia que criávamos diferente do mundo “real” onde aquelas aventuras oníricas não tinham guarida.

Nessa vida, dita adulta, o escritor que habita em mim está fazendo esse papel, o mesmo daquela criança que ontem fui e que ainda não me abandonou (porque sempre a tratei bem e nunca a deixei sozinha o suficiente a ponto de ela me ignorar como companheiro de viagem) o que permite a criação de um mundo paralelo aonde vou quando escrevo.

Ao contrário dessa criança, tenho consciência da fronteira entre ambos os mundos (um que eu suporto e o outro que criei) e o curioso agora é que nunca preciso cruzar a ponte de maneira clandestina, sei que consegui cobrir o trajeto quando essa solidão que me condena de um lado me absolve do outro, então escrevo, sozinho, mas livremente.

Agora, recebo um telefonema de uma amiga que está lendo os meus livros, e ela afirma: “não é justo... Assim não é justo”, repete e explica: “fico aqui lendo... Estou me apaixonando”...

Interrompo aquele monólogo e digo que ela pode se apaixonar pelo escritor, que está inteiro nas mãos dela, nas obras que lê, mas o homem por trás do autor é demasiadamente comum, não vale a pena alimentar um interesse por uma natureza humana que pode ser encontrada em cada esquina. Ela não se conforma, mas é a realidade, o escritor foi o sujeito que inventei para melhor suportar o homem comum que eu sou.

Para as pessoas que se crêem normais é muito estranho fazer essa discriminação entre a criança, o homem e o escritor e constatei isso enquanto limpava uma coleção de soldadinhos de chumbo reproduzindo os templários e as cruzadas e comecei a perceber o fragor da luta entre sarracenos e cristãos e, palavra de escoteiro, naquela hora, juro, senti o zunido de flechas e as batidas secas de cimitarras nos escudos que tinham uma cruz pintada em vermelho, diante das muralhas castigadas por catapultas, enquanto uma lança me espetava e tombei ferido de morte antes de afirmar que aquelas distinções não faziam sentido e aquela carnificina era inútil!


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