quinta-feira, 7 de maio de 2009

PALPITEIROS DE PLANTÃO

Por Olsen Jr.

Quando era aluno do Ginásio São Francisco (educandário Marista) em Chapecó, lembro de uma história contada pelo irmão Marcílio, daquelas que tinham um cunho moralista, quer dizer, ensejavam ao final, uma lição de vida.

Afirmava que certo pintor estava curioso para saber o que os visitantes pensavam a respeito de um determinado quadro de sua exposição. A tela mostrava alguns trabalhadores urbanos em seu fazer diário, mas na condição de artista, estava um pouco inseguro da composição, daí resolveu ficar oculto, nas proximidades, só para ouvir os comentários que se faziam. O que mais o impressionou foi o de um cidadão, que tinha chegado com a mulher, parado em frente da obra e dito, “veja aí mulher, se o pintor conhecesse de calçados, tinha pintado aquelas botas com manchas de graxa, e certamente teria desgastado um pouco as solas... O artista que ouvia tudo deu razão para o homem, saiu do lugar onde estava escondido e após se apresentar, agradeceu pelo conselho, e só então indagou sobre a profissão do visitante, e ouviu “sou um sapateiro”... Mas quando este ofereceu outro palpite, agora sobre a indumentária: “ ... E a camisa daquele que aparece com... “ Foi interrompido pelo pintor, que falou “não vá o sapateiro além dos sapatos”...

Se você pretende conhecer o “imaginário” de uma sociedade, leia a seção de cartas dos jornais... Tem o monomaníaco, aquele que escreve sempre sobre o mesmo tema (conheço um que há mais de trinta anos fala sobre a FEB – Força Expedicionária Brasileira, os pracinhas na Segunda Guerra Mundial); outro, do interior do Estado, especialista em BRs e Rodovias que interligam municípios (os problemas são locais mas a solução é Estadual ou Federal); o diletante, aquele que identifica os buracos de rua e sugere ocupações diferentes nas áreas de lazer, faz isso com tal espontaneidade que é uma pena que não esteja trabalhando na prefeitura; tem o moralista (efetivou-se de maneira fraudulenta no governo do Estado e escreve textos sobre ética e retidão de conduta, genericamente falando é claro, quando não é mais possível dissimular determinado escândalo); há o frustrado ideológico (no tempo obscuro da estratocracia no País, manteve-se calado, inativo, mas depois que a história se encarregou de revelar os equívocos de determinadas ações, então se posta como o destemido, mais ou menos como aquele que se esconde do leão quando este está solto, e depois vai até sua jaula tripudiar e cuspir em cima, quando alguém já o capturou e não representa mais perigo);

Tem o enciclopedista (aquele que não enjeita assunto para dar seu palpite opina sobre o Marighela, o Che Guevara, mas também sobre aposentadorias, INSS e outros)...

Quando abro o jornal, aposto comigo mesmo sobre qual desses palpiteiros vou encontrar na seção de cartas, às vezes, até três deles na mesma edição, é dose!

Essa ocupação de escrever cartas pode ser um substituto alternativo para um aposentado, em vez de acordar cedo e sair com o “cachorrinho” para passear (sem levar o material para recolher as fezes que o mesmo irá fazer, porque o “moralismo” só funciona com os outros) ou então ficar em casa o dia todo, abrindo e fechando a geladeira, o sujeito opta por emitir, dia sim e dia não, o ranço de opiniões mal digeridas na solidão de quem precisa compensar, muitas vezes, uma vida inteira sem possuir uma importância coletiva, quer dizer, mais um indivíduo no mundo, só, de nada para nada, gratuito, como diria o Sartre.

Pode ser, mas não é tudo, há uma compulsão (em algumas pessoas) em “opinar”, principalmente quando se está fora do “poder decisório” em que tal ato não pode se transformar em ação, o que levou o comediante George Burns em afirmar: “É uma pena que todas as pessoas que sabem como governar o país esteja ocupada dirigindo táxis ou cortando cabelos”.

Um comentário:

  1. E tem aquele palpiteiro que se mete no meio da história pra completar:
    'Ne sutor ultra crepidam' (Sapateiro, não passes do calçado).
    Resposta do pintor Apeles a um sapateiro, que, depois de haver criticado, num de seus quadros, uma sandália, julgou poder também criticar o resto. (Plinio, História natural, 35-36).

    Esse tipo é foda...

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