quarta-feira, 26 de agosto de 2015

As consequências da interpretação nua e crua da Lei.

    Por Armando José d’Acampora *
   Nem sempre, aquilo que se faz achando que onde deva prevalecer o estrito cumprimento da Lei, reverte em benefício dos outros.

   Pois é exatamente isto que está a ocorrer no nosso glorioso Hospital Universitário. A Lei está sendo rigidamente cumprida pelos médicos, quanto aos horários, mas o funcionamento geral do Hospital decaiu e vai piorar.

   O regime de trabalho que o Hospital Universitário oferece aos médicos é deveras conhecido: ou o contrato é de 20 horas semanais ou é de 40 horas semanais. Quando 20 horas, a carga horária a ser cumprida compreende quatro horas diárias e se 40 horas, oito horas diárias, para todos aqueles que são chamados diaristas, porque não cumprem a jornada de trabalho em plantões de 12 horas.

   Como havia uma flexibilização horária, em cumprimento parcial das horas contratadas e, transplante seja efetuado sem qualquer atrapalho.

   Quantos médicos são necessários para que um transplante ocorra?

   Numa equipe mínima de transplante hepático, haverão dois anestesiologistas, seis cirurgiões especializados neste tipo de transplante, dois clínicos e dois intensivistas. Total mínimo: 12 médicos para um único transplante, que pode ocorrer a qualquer hora do dia ou da noite, também em sábados, domingos, feriados, natal, ano novo, carnaval, etc...

  Estas equipes são especiais, com longo tempo de treinamento, e não podem ser contratadas em regime de plantão, pois como primeiro ponto, seria extremamente dispendioso mantê-las em plantão permanente, segundo ponto, não há como ter uma equipe de plantão para cada dia da semana, pois não há especialistas suficientes disponíveis para isso, devido a alta e longa especialização que é necessária.

  Resultado prático do cumprimento estrito da Lei:

   Como primeira medida consequente a exigência, não há mais nenhum médico disposto a trabalhar em sistema de sobreaviso, pois mesmo assim, terá que cumprir sua carga horária contratada de quatro ou oito horas diárias, pois se assim não se portar, poderá ser indiciado por infringir algum dos artigos legais vigentes no país, a partir do pressuposto de que não há registro biométrico do ponto.

   Como segunda consequência, há muitos médicos solicitando redução de carga horária, de 40 para 20 horas, e isto é muito importante, pois reverterá no fato de que muitos dos pacientes deixarão de ser atendidos por esta desistência das quatro horas que contribuíam, de alguma maneira, para o bom funcionamento regular do Hospital

   Terceira consequência: os transplantes hepáticos não mais ocorrerão, pois não há como conciliar um horário diário de oito horas e a disponibilidade de atender ao Hospital em qualquer tempo fora do horário estabelecido por contrato.

   Quarta consequência: já há algumas solicitações de demissão dos médicos que mesmo não cumprindo o horário contratual, produziam em atendimentos ambulatoriais ou realizando operações, muito mais do que o que seria exigido em horários rígidos.

   Quinta consequência: professores que já haviam cumpridos a exigência legal para a aposentadoria e permaneciam em trabalho no HU, estão solicitando a aposentadoria.

    O mesmo está acontecendo no Hospital Infantil Joana de Gusmão, onde cirurgiões já se afastaram e outros contam o tempo para aposentadoria. Não me perguntem o que acontecerá com nossas crianças, pois não tenho esta resposta.

    Trabalhei como cirurgião, até a minha aposentadoria por tempo de serviço, no Hospital Florianópolis, que pertenceu ao Ministério da Saúde (nesta época um exemplo de Hospital ao dispor da população), depois foi cedido a Secretaria de Estado da Saúde.

   Neste nosocômio, haviam metas para cumprimento de produção por cirurgião, de tal maneira que eram distribuídas as operações eletivas de acordo com seu porte, pois há aquelas cuja duração é de horas, outras de uma só hora, portanto havia dias onde uma única operação ocupava todo o período matutino e uma outra única, todo o período vespertino. Nenhum cirurgião interrompe a sua operação porque está no seu horário de sair do Hospital. No nosso entendimento, dos cirurgiões, quem começa, termina.

   Não há como generalizar as situações que são dependentes de que paciente se está a tratar e não especificamente do médico.

   Da mesma maneira é o atendimento em nível de ambulatório. Há consultas nas quais se pode resolver o problema do paciente em 15 a 20 minutos e outros nos quais pode-se ocupar uma hora inteira e, há outros, que não se consegue resolver nem em um dia inteiro.

   Portanto, quero reafirmar aqui, meu ponto de vista pessoal, de que, aqueles que não cumprem o acordado, e também nada produzem, seja em que nível for (Ambulatório, Enfermaria ou Centro Cirúrgico) a eles deva ser aplicada a severidade da Lei, mas temos que estudar todas as particularidades da atividade médica, de maneira a não se perder a efetividade do atendimento aos menos favorecidos, pois são eles que dependem de um Hospital como o HU, que presta hoje, como sempre fez, um excelente serviço à população.

* Médico, Cirurgião, Professor Universitário

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