quinta-feira, 16 de julho de 2015

Homenagem a Ernesto Meyer Filho

Por Marcio Silva

O OCASO DO ACASO
Em homenagem a 24 anos de ausência

- Meu instinto ferve por uma lembrança. O que temos para hoje?

- Mais um sistema em colapso. Vida pouco inteligente. Bilhões de unidades pulverizadas. Restaram registros da cultura nestes pedaços de metal. Conecte-se:
< trilha sonora incidental – As quatro Estações – Vivaldi >

- Que sons são estes? E esta voz?

- Concentre-se e talvez descubra …… - O diálogo dos estranhos.

   A terra do sempre, onde o nada liga a coisa alguma, fica na cidade que a visão não alcança, onde a rechonchuda princesa Redonda divide o teto com o pai, um rei quadradão. A rainha-mãe-morta-mordida-maçã.

   Redonda circula pela corte com um pastor alemão que, na verdade, é uma fêmea: o que denuncia é apenas um chapeuzinho vermelho.

   O castelo é frequentado por duques e barões, valetes, guardas e plebeus, animados pelos bobos da corte. A realeza não vive sem os serviçais, dos quais não escapa o borralho. Que mantém os aposentos reais aquecidos. Jean Ratto é o filho da borralheira. Mais claro que o carvão, xucro. Menino, era um cavalo doido. Sem norte, dava patadas. Levado para a Igreja por Padre Pio, teve a luz das letras e descortinou penumbra que o levou à música.

   O apego ao alaúde revelou que a batina não faria parte de seu hábito.

   - Do rei não sou o filho, que me perdoe o trocadilho mas cada um no seu quadrado. - Jean Ratto fabulava com seu cravo de menestrel, deixando os minérios para os 7 anões. Branca de Neve que nos desculpe mas Jean seguia o estilo do grego Esopo: seis séculos antes de Cristo já ridicularizava os miados de vaidade, balidos de estupidez e latidos de agressividade da condição humana. Mais tarde, a história, La Fontaine( 1621 – 1695) e George Orwell( 1903 – 1950) contribuíram para sacramentar as semelhanças selvagens entre bichos e homens.

   Jean encarou gigantes sem subir no pé de feijão:
- O homem está nos arranha-céus e, não esqueça, a altitude lhe fez perder a cabeça. - Ele verseja, dedilhando a viola.

   Como em O Leão e o Rato, Jean descobriu jovem a importância do respeito aos outros e a suas diferenças. Não desdenhe a ninguém: é melhor nunca esquecer o passado, porque ajuda a moldar o presente e forjar uma escultura para o futuro, escreveu para homenagear o ratinho que roeu a roupa(de cordas) que prendia o rei(dos animais).

   Ratto, cordato, sempre foi um cordeiro. Empáfia e soberba deixava para os lobos, sem descuidar da falsa razão do mais forte, de quem mata por banal, por esporte, prazer, omissão ou pena de morte. O cortês cantava de sol a sol, cigarra em pele de formiguinha a forrar fardos de um futuro fictício. Porque o apego ao hoje não garante o amanhã. Mas faz uma falta danada quando a necessidade pede licença ao acaso. O canto das cigarras é de sua natureza, como a troca de seus exoesqueletos e o enterro sedentárias à espera de um futuro ensolarado.

   A terra do sempre é aos poucos devorada pelo lobo mau da tecnologia. Jean Ratto chorou com seu alaúde sobre o enorme ataúde da Redonda princesa vítima de lipoaspiração. Os homens caíram nas teias da rede e, paralisados por aracnídeo veneno, não conseguem mais socializar-se.

   O agora DJ Ratto canta a quem faz selfie de umbigo a um número de celular que não ligo de uma world wide window. O refrão é o esteta, o ET em seu próprio planeta. É quando a fábula transforma-se em realidade, fugindo da noite que ulula.

- Como é bom acordar a cada dia nu, sentir-se vivo como um déjà vu. - Filosofa o filho da borralheira.

- Respira, filho, que (ainda) é de graça! - Recebe o beijo da Cinderela que lhe deu Boa Noite. O beijo que torna Jean Ratto distinto e desentala a maçã da garganta de Branca de Neve. O beijo que deixa Zangado igual a Dengoso e Feliz, a receita do Mestre para o Soneca e que impede o espirro de Dunga no Atchim. Sim, o beijo do Sincero porquinho Prático no irmão Heitor.

   O estranho lapida as rochas para fazer ouro e virar fábula, como Esopo, Vivaldi, La Fontaine, George Orwell e Ernesto Meyer Filho( 1919 - 1991), o Rei dos quadros-galos, agora um singelo nome na lápide quadrada.

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