quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Crônicas do Irani (3)

Por Celso Martins
O território de José Maria

Escultura de João Maria no restaurante Confraria do Monge (Lages-SC). Escultura de Nelson Neves Matias
 Considerado “fonte primária”, citado por quase todos os autores que abordaram o tema Contestado, os manuscritos de Alfredo de Oliveira Lemos, nascido em Campos Novos, 27 de janeiro de 1884, merecem alguns comentários. Lemos garante ter conhecido João Maria, e depois dele, José Maria. Crítico do levante caboclo, tendo colaborado com a repressão ao movimento, seu testemunho assume importância relevante.
Quando tinha 9 para 10 anos de idade João Maria apareceu em sua casa e tratou de sua mãe, dona Joana, permanecendo na região, “tendo desaparecido alguns anos depois”. (p. 15) Cerca de 15 anos depois “apareceu no sertão do Irani, Palmas, um homem com as vestes de João Maria; usava terno de brim grosseiro, boné de couro de jaguatirica”. (p. 16)
Diferentemente de João Maria, que usava “sandálias feitas por ele mesmo”, José calçava “chinelos com meias grossas por cima da calça; dizendo-se irmão de João Maria, chamava-se José Maria de Agostinho”. O autor indica o ano de 1912. “Em Irani”, prossegue, “ele começou curando com erva e muito logo correu a fama por toda a parte. E muito breve, tinha o seu grupo regular com instrução para a guerra. Imediatamente chegou ao conhecimento da polícia de Palmas que foi obrigada a dispersar o grupo, tendo desaparecido, para dali reaparecer em Campos Novos, na fazendo do coronel Francisco de Almeida”. (p. 16)
            Cabe destacar que estamos diante da segunda referência à presença de José Maria no Irani. Quanto a formação de um reduto, e a repressão policial vinda de Palmas, devemos lembrar a informação anterior (Crônicas 2) de Antônio Martins Fabrício das Neves, sobre a parceria de José Fabrício e José Maria no assentamento de famílias na região. Independente da necessidade de um maior aprofundamento do episódio, fica evidenciado o trânsito de José Maria nos campos do Irani.
            A historiadora paulista Ivone Gallo nos leva a Laranjeiras do Sul, no interior do Paraná, para falar de José Maria.
Vive bem vestido, carregando sabonetes, espelhos etc., para cuidar de si, aprecia a boa comida, bom chocolate, gostando de parar em casa de família, para ser tratado pelas mulheres a quem ele dá muitos conselhos! Homens e mulheres vão pedir-lhe receitas e orações, porém aprecia ele mais oferecer bordados e pinturas para as moças pois é bom pintor e bom de letra. Consta que este monge já saiu fugido de Palmas para a Mangueirinha que também teve o mesmo fim e só aqui é que tem sido bem hospedado”. (p. 83)
Na ocasião, em Laranjeiras do Sul, antiga Colônia Marechal Mallet, região acima de Pato Branco, José Maria “preconizou uma guerra fortíssima da qual ninguém escapará, por isso aconselhou o povo a fazer morada no centro do mato, não tendo caminho que possa sair para parte alguma e nas proximidades de um rio por ele indicado porque todos os bichos se mudarão para a colônia a fim de liquidar algumas pessoas que por ventura escaparem da referida guerra. Preconizou uma praga de gafanhotos com bicos de aço e asas também de aço, porém em forma de serras”. (p. 82-83) Gallo reproduz matéria publicada no jornal O Livre Pensador, de São Paulo-SP, de 13.1.1909, com o título “Um novo monge. Perigo social”.
A autora citada se refere a um processo em Palmas por rapto de moça, destacando que no Brasil “daquele tempos, o rapto de mulheres era uma prática comum e, em muitos casos, até o raptor podia contar com a anuência da vítima”. Por isso José Maria foi logo libertado “sob a promessa de casamento, coisa que não se realizou, não se sabe por que”. (Gallo, p. 83) Outros autores abordaram o tema.
            Ivone Gallo corrobora a informação de Maurício Vinhas de Queiroz em seu livro “Messianismo e conflito social”, de que “o monge também teria sofrido perseguições no Paraná, mais precisamente no Irani, onde mantinha relações de amizade com posseiros ocupantes das terras de uma empresa frigorífica”. (Gallo, p. 83)
            Outra informação preciosa da mesma autora é que José Maria teria acompanhado “as forças revolucionárias de 1893, combatendo e fazendo reconhecimentos, e que gozava de prestígio entre seus companheiros combatentes por sua valentia, porque, ‘acutilando como um doido, causou tal espanto no inimigo, que este retirou-se em desordem apesar da superioridade numérica”. (Gallo, p. 84) A autora se baseia no artigo “O monge José Maria, um pobre diabo ou um verdadeiro revolucionário perigoso?”, publicado pelo jornal Correio da Manhã um dia antes do Combate de 1912 no Irani, em 21.10.1912. (p. 107)
            Cabe destacar aqui a origem do povoamento de Irani. Informa o site do IBGE: “O município de Irani, localizado no meio oeste catarinense, começou a ser desbravado e ocupado no início do século XIX, por fazendeiros e colonos oriundos principalmente do norte do Rio Grande do Sul, que transformaram o cotidiano da população local. Esta época foi marcada pelo predomínio dos coronéis, que dominavam a região do Irani. Entre os colonizadores destacam-se: Leopoldino Fabrício das Neves, Dinarte Antunes, Pedro Kades, Alexandre Telles e Miguel Fabrício das Neves”. No site da Prefeitura do Irani: “O território do município de Irani começou a ser desbravado e ocupado no início do século XIX, por fazendeiros e colonos oriundos principalmente do norte do Rio Grande do Sul.”     (Por Celso Martins, outubro de 2011)

Fontes: Histórico de Irani. Site do IBGE.
GALLO, Ivone Cecília D’Ávila. O Contestado – O sonho do milênio igualitário. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1999.
LEMOS, Alfredo de Oliveira. A história dos fanáticos em Santa Catarina e parte de minha vida naqueles tempos. 1913-1916. Passo Fundo: Berthier, 1989.

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