segunda-feira, 25 de abril de 2011

Uma flor no meio do caminho (*)

Por  Olsen Jr.
     O cotidiano massacra. É um lugar comum lembrar do fato quando tiramos um tempinho para pensar. Isto acontece no trabalho, na rua, em casa, nas relações humanas, com qualquer mortal. Para escapar da vala, que também é comum, deveríamos ter sempre em mente a frase de Erich Fromm "amar é chegar pela primeira vez a cada momento". Em outras palavras, precisaríamos (re)descobrir-nos todos os dias, o que implicaria em um novo aprendizado constantemente.

     Fiquei pensando nisso logo após cruzar o semáforo antes de chegar ao trabalho.Estava parado ali, esperando a luz verde acender quando vi uma adolescente vindo na calçada do outro lado das três pistas. Em minha frente, seis veículos, outro tanto se acumulando atrás, pista única para onde vou, não há o que fazer.

     A garota vem caminhando de um jeito estranho, mas está alegre, avança pela calçada com os braços estendidos. A impressão que tenho, de onde estou, é que ela irá abraçar alguém logo em seguida. Volto os olhos para o semáforo, não sou daqueles impacientes que permanecem tamborilando os dedos em cima do volante enquanto esperam, tampouco ergo as mãos a cabeça ou levanto os braços apontando para a engenhoca que não quer abrir logo o sinal, ignorando que do outro lado da rua, em sentido contrário, igualmente, há um bando de impacientes com as mesmas preocupações, avidez integral de chegar a lugar nenhum, a compulsão do homem moderno. Moderno?

     Volto a observar a mulher na calçada, caminha balançando a cabeça como se não estivesse acreditando no que lhe estava esperando, fico curioso, não consigo encontrar exatamente o que me chama a atenção nela, mas mantenho fixo o meu olhar. Aproxima- se, quando está paralelamente ao meu carro, só então percebo, ela é uma portadora de necessidades especiais, está sozinha e tal deficiência não anula os seus sentidos, apanha - com as duas mãos - uma flor da cerca viva ao lado de onde caminha, traz a planta para o nariz e aspira uma fragrância (odor que só posso imaginar) e abre os braços novamente. Só então ouço a buzina irada do veículo atrás, olho pelo retrovisor e percebo um indivíduo enfezado, mais um, e arranco devagar para irritá-lo um pouco mais e para curtir o que acabara de presenciar, talvez o único, naquela calçada ali. O sujeito passa por mim e ergue os braços, possesso, como a dizer, sai da frente "seu babaca", ignoro o gesto, quando observo ainda pelo retrovisor, aquela mulher sorrindo, de braços abertos e as mãos estendidas, como se estivesse oferecendo aquela flor para alguém, e só lamentei naquela hora que aquele alguém não era eu!

(*) – Uma “palhinha” do próximo livro do poeta “Tu Viverás Também”, para junho deste ano.


LesPaul deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Uma flor no meio do caminho (*)": Velho Viking de coração doce. Somos todos 'Estranhos no Paraíso' (du caraglio, leitura obrigatória - depois falamos sobre isso) tentando chegar naquele momento, pela primeira vez, uma vez mais. Daí, florescem para empastelar aquela tiragem singular os "entretantos e poréns", os vikings de coração empedernido, mal humorados, morredouros que sentem mais que outros a lasca que o tempo acabou de lhes tirar... Virei fã, apesar disso não significar muita coisa. 

Um comentário:

  1. Velho Viking de coração doce. Somos todos 'Estranhos no Paraíso' (du caraglio, leitura obrigatória - depois falamos sobre isso) tentando chegar naquele momento, pela primeira vez, uma vez mais. Daí, florescem para empastelar aquela tiragem singular os "entretantos e poréns", os vikings de coração empedernido, mal humorados, morredouros que sentem mais que outros a lasca que o tempo acabou de lhes tirar... Virei fã, apesar disso não significar muita coisa.

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